quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Companheiros de Silêncio



A noite caía e, no campo aberto, longe de civilização, o gato selvagem espreitava. Havia temor por parte dos humanos na aproximação ao dito gato, afinal um lince não é um gato qualquer.

O gato aproximou-se de uma casa minúscula no meio de toda aquela floresta. Lá dentro, um lampião e um menino. Um menino de 9 anos que fora colocado ali pelo irmão, com uma função: cuidar da armazém da família até que o irmão melhorasse da saúde tão abalada.

O gato tinha a necessidade da fome — e também de outras formas de fome: a do aconchego de uma mão distante, da segurança e, talvez, da solidão partilhada.

O menino, nas suas imensas fomes e na maneira improvisada de as saciar. Na necessidade da fome tentou cozinhar umas batatas na lareira improvisada com pedras e alguns galhos secos, até que desistiu. Olhou pela pequena janelinha e viu, ao longe, no escuro da mata, um foco leve de luz. Pegou no lampião e correu a toda pressa, com ele nas mãos pelo compo escuro, em direção à casa. O gato espreitava, sem entender, mas querendo.

O menino gritou, e o gato se assustou com o grito. A dona da casa abriu a porta e acolheu o menino, que passou, naturalmente, a ir comer e dormir na casa daquela família.

O gato ficou a acompanhar essa empreitada, já se deixando encantar pela presença do menino. O encontro pessoal nunca aconteceu, mas a vigilância partilhada pelos dois ajudou o menino a ter, enfim, um companheiro platônico — e a afastar mais um pouco a solidão.

🌙 No coração da floresta, um menino e um gato selvagem encontram-se sem jamais se tocarem.
Ele, à procura de abrigo e calor humano.
O gato, à procura de alimento e de um aconchego que nem sabia desejar.
Entre o medo e a curiosidade, nasceu uma vigília silenciosa.
Dois solitários que, sem palavras, aprenderam a partilhar a mesma noite.

8 comentários:

David Nogueira disse...

Nossa! Estavas inspirada! Os teus personagens (nos devaneios dessa noite) parecem parceiros de uma “marisia”!! 😵‍💫😃

Idalinda Dias disse...

São parceiros do acaso que se tornaram cúmplices na solidão.

Ricardo disse...

Belíssimo. Uma viagem ao encontro entre a pureza do infante e a entrega do animal selvagem. Há muito nas entrelinhas...

Idalinda Dias disse...

Há sim. Com certeza dá muito "pano para mangas". Obrigada

Graça disse...

Idalinda esse texto envolve-nos e conduz-nos expectantes do final!!! É de uma ternura sultil e sublime... o amor acontece!! Que história maravilhosa. Parabéns minha querida amiga

Idalinda Dias disse...

Obrigada querida!

Jandira Rocha disse...

Que maravilha! Agora dá seguir este caminho multicor. Parabéns!

Idalinda Dias disse...

Obrigada querida! Eles vão sendo cúmplices das adversidades.