A noite caía e, no campo aberto, longe de civilização, o gato selvagem espreitava. Havia temor por parte dos humanos na aproximação ao dito gato, afinal um lince não é um gato qualquer.
O gato aproximou-se de uma casa minúscula no meio de toda aquela floresta. Lá dentro, um lampião e um menino. Um menino de 9 anos que fora colocado ali pelo irmão, com uma função: cuidar da armazém da família até que o irmão melhorasse da saúde tão abalada.
O gato tinha a necessidade da fome — e também de outras formas de fome: a do aconchego de uma mão distante, da segurança e, talvez, da solidão partilhada.
O menino, nas suas imensas fomes e na maneira improvisada de as saciar. Na necessidade da fome tentou cozinhar umas batatas na lareira improvisada com pedras e alguns galhos secos, até que desistiu. Olhou pela pequena janelinha e viu, ao longe, no escuro da mata, um foco leve de luz. Pegou no lampião e correu a toda pressa, com ele nas mãos pelo compo escuro, em direção à casa. O gato espreitava, sem entender, mas querendo.
O menino gritou, e o gato se assustou com o grito. A dona da casa abriu a porta e acolheu o menino, que passou, naturalmente, a ir comer e dormir na casa daquela família.
O gato ficou a acompanhar essa empreitada, já se deixando encantar pela presença do menino. O encontro pessoal nunca aconteceu, mas a vigilância partilhada pelos dois ajudou o menino a ter, enfim, um companheiro platônico — e a afastar mais um pouco a solidão.
🌙 No coração da floresta, um menino e um gato selvagem encontram-se sem jamais se tocarem.
Ele, à procura de abrigo e calor humano.
O gato, à procura de alimento e de um aconchego que nem sabia desejar.
Entre o medo e a curiosidade, nasceu uma vigília silenciosa.
Dois solitários que, sem palavras, aprenderam a partilhar a mesma noite.